domingo, 13 de janeiro de 2013

No Arquivo, Um Mistério

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
- Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-formada, deixava ainda no rosto uma mancha azulada. O conjunto era uma máscara escura.
- Todos os domingos tu sais cedo - observa a mulher com azedume em sua voz.
- Temos muito trabalho no escritório - disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
- Por que não vens almoçar?
- Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu:
- Talvez eu volte para o jantar - disse, tendo em mente a papelada do outro dia que deixou de preencher por cansaço, e que ocuparia mais do seu tempo desse vez.
Já em sua sala pequena, no escritório, com arquivos ocupando toda a parede do fundo, e uma mesa grande ao centro, Samuel se acomodou em sua cadeira de rodinhas, abriu sua pasta e espalhou os documentos que tinha para analisar, carimbar e separar por setores.
Depois de um tempo, um homem, que nunca tinha visto antes na empresa, entrou, puxou a cadeira de seu outro colega para sentar e ocupou seu posto. Este homem também abriu as pastas para separá-las.
Quinze minutos se passaram sem que eles trocassem uma palavra, nenhum cumprimento, nenhuma dúvida sequer. Os únicos sons que se ouvia na sala eram o da caneta fazendo anotações, do carimbo ao ser pressionado nas folhas e o ir e vir de um arquivo para o outro.
Samuel estava colocando outro arquivo no setor de Transferências quando ouviu o novo colega gritar.
Era como se o desconhecido tivesse levado um choque ou um susto.
Samuel se apressou em acalmar o homem perguntando o que havia acontecido.
- E-eu senti! Eu juro que senti! No começo achei que era invenção minhas, mas eu realmente senti! Acredite em mim! - exclamou o desesperado.
- Sentiu o quê? Um inseto? Um objeto estranho? O que, exatamente?
O homem pensou no que ia falar separando as palavras, formulando uma frase e as escolheu assim:
- Acho que tem um defunto nesse arquivo.
Samuel parou, ingeriu lentamente as palavras. Olhou sério para o colega, pensou e as extremidades da sua boca, devagar, começaram a se curvar para cima, pensando. Sorrindo. Mostrando os dentes. Até gargalhar muito alto. Tão alto que se assustou consigo mesmo, diminuiu o volume e percebeu que o colega continuava assustado.
- Tem certeza? - conseguiu dizer.
- Eu senti uma mão!
- Abra a gaveta, deixe-me ver.
- Eu não tenho coragem, não. Abra você!
Samuel achou aquilo muito bizarro. Um defunto no escritório? Impossível.
Resolveu acabar logo com esse mistério, porque, afinal de contas, era domingo e queria poder chegar e jantar com sua família.
Olhou para o homem acanhado a seu lado, demonstrou confiança e foi abrindo a gaveta cuidadosamente.
Quando viu o que era, Samuel começou a gargalhar novamente. Queria esclarecer essa história e falar ao colega o que realmente tinha lá dentro, mas não conseguia. Ria e tentava falar, ao mesmo tempo.
O homem, que estava ficando confuso e nervoso, pediu para que Samuel mostrasse logo o que tinha naquela gaveta. Este abriu-a toda e levantou uma luva, daquelas de limpeza.
O colega franziu o cenho, pensou e começou a rir acompanhando o outro.
Depois de um tempo nesse transe, ambos voltaram ao trabalho.


Isabella Revert

Jovens Diferentes

Danilo nunca seguiu horários. Mesmo que tentasse, seu organismo o obedecia em ordem retardatária. Comia mais tarde que os outros, chegava aos lugares tarde, resolvia algo pendente em cima da hora e não conseguia dormir à noite.
Era numa dessas frias madrugadas, em que é preciso usar meias para esquentar os pés, o televisor o chamava para assistir a mais uma dessas séries de comédia produzida nos Estados Unidos, Danilo olhou em volta, viu a bagunça que juntou com o passar dos dias e se revoltou consigo.
A pé, percorreu as ruas da cidade onde estava mais iluminado e percebeu  um estranho movimento na praça central. Mais estranho foi ver um grupo de pessoas reunidas rindo alto sem que ninguém se incomodasse. E só haviam idosos nesse grupo, alguns em boa forma, outros reclamando das dores no corpo.
Curioso, Danilo decidiu perguntar o que era aquela reunião.
- Nada de mais, meu jovem. Nada de mais.
Convidaram-no para ir com eles nas festas noturnas que eles proporcionavam e Danilo aceitou na hora, sem medo de que a festa fosse muito brega.
Saíram por todas as ruas num total de quatro carros, sendo dois com carroceria, onde ficavam os idosos mais "jovens" e extrovertidos. Danilo estava achando incrível tudo isso.
Até que os carros pararam num posto abandonado, no início da estrada, e um dos velhinhos o chamou balançando um recipiente de spray.
- Ei, você! Curte essa arte?
O velho foi em direção à loja de conveniência abandonada e começou a pixar. Não, pixar não. Ele e outros dois começaram a grafitar a parede.
Danilo ficou perplexo. Depois de alguns minutos, uma senhora negra com o cabelo crespo branco é a nova aparência da parede esquecida.
Danilo procurou alguém, todos já haviam descido dos carros e formado uma roda no posto. Foram ágeis, pegaram uns banquinhos e lanternas, sentaram-se para conversar e até repartiram um lanche.
Após longos quarenta minutos e um sol que começou a aparecer no horizonte, todos voltaram à praça e, em seguida, às suas casas.
Mais tarde, um jornal local anunciou: "Bando de vândalos rebeldes minimizam a paisagem da estrada. Onde esses jovens vão parar?".
Danilo riu. Por que não viram o lado artístico-cultural da imagem? Onde esses adultos vão parar?


Isabella Revert