O Muro que Roubou o Sol

I


Havia muitas árvores. Uma delas me chamava muito a atenção. Não por ser a maior, mas por ser forte... Tudo parece mais forte quando o assunto não é voltado a nós mesmos. É fácil dar opiniões sobre a vida dos outros, ajudar aos outros, enquanto nossos próprios problemas não são resolvidos tão rápido assim.
Meu bairro é calmo. Quase nunca passa um carro ou qualquer outro veículo. O único movimento é de pessoas. Em geral, adolescentes, que vêm de longe para estudar na Escola Hametins (que está localizada no quarteirão vizinho de minha casa), e não, lá não é minha escola.
É um bairro que eu apelidei de "ecológico". Pois há poucos veículos (o que significa que não emite tanto gás carbônico para a atmosfera); o lixo é recolhido com muita pontualidade; nas ruas, não há sujeira, mesmo assim garis passam para varrer as ruas e todos têm respeito um com o outro (não há rebeldia, e mesmo que quisessem ter, não sei como, meu bairro não possui bares, restaurantes, nada. Só casas.).
Há muitas árvores, e são elas que me atraem. As árvores, em época de primavera, dão flores lindas. O bairro fica colorido de verde, rosa, vermelho e amarelo e as flores têm um delicioso cheiro. Quando elas murcham, e caem no chão, formam um imenso tapete o que faz do bairro um grande paraíso!
Férias. Outra vez em casa sem nada para fazer. Estava em meu quarto, chorei um pouco. Sentia mágoa leve ou profunda? A culpa era minha ou não?
Há pouco descobri o que realmente significa decepção. Já ouvi muito essa palavra em minha vida, mas não fazia idéia de o quanto ela pesa. E é um peso difícil de suportar.
-Bi, onde você está? – minha mãe. Ela sempre me pergunta onde estou, pois estamos em território novo.
Aqui em casa, somos cinco. Meus pais, meu irmão, minha irmã e eu. Mudamos de bairro há pouco tempo, a casa é meio parecida com a outra. Embora lá seja mais familiar, aqui é espaçoso, silencioso, e quando tem algum barulho são os bichos que aqui passam que fazem.
-No quarto. Estou... Escrevendo no diário – rapidamente peguei o diário. Havia deixado de lado, pois certas palavras que escrevi sem pensar, me fizeram lembrar algumas pessoas... Que saudade delas!
-Ah, sim...
Bom, voltei a escrever... Sem tanta animação.


...Bom, continuando... Daqui uma semana acaba essas férias inacabáveis. Eu não gosto de ficar em casa sem nada para fazer... É bom ter a ocupação de todo dia: o dia inteiro pra estudar pra prova, fazer exercícios para casa, contar as novidades para os amigos...


Parei de novo. Lembrei-me daquelas pessoas de novo. Poxa, saudade é bem mais do que lembrança... É uma prova de amor, se você ama, sente saudades. Então eu amo... E amo muito...
Se eu pudesse voltar no tempo, eu mudaria meus modos de agir...






01






...Hoje eu decidi esquecer o ano passado por um momento. Ele foi realmente um ano muito distante de ter sido feliz.
As únicas pessoas que resolvi lembrar seriam dos meus melhores amigos, deixados pra trás nos meus planos... Às vezes me pergunto por quê. Por que minha curiosidade foi mais forte que a amizade naquele dia...? Não sei responder... Eu sempre fui assim: curiosa.


Estava determinada a desistir de escrever. Foi o que fiz.
Fui para a sala me distrair com a televisão, mas lá estava meu irmão Paulo assistindo aquele filme outra vez. Ele já sabe de cor as falas de tanto ver e como eu não tinha nada para fazer, resolvi finalmente descobrir o que chama a atenção do meu irmão a esse filme.
O filme era interessante. Agora percebi que Paulo assistia filmes que tinha a segunda guerra mundial como tema, e estávamos em Olga naquele momento.
Falar sobre a morte dos judeus era um assunto muito triste e emocionante. E continua sendo, pois a tortura que eles sofreram era trágica. Lógico que ninguém gostaria de ter sua morte numa câmara de gás, numa cama de arame farpado, por falta de comida, e...
-Oi? - Paulo interrompeu meus pensamentos. Vai ver ele estava falando há mais tempo comigo, mas eu não estava prestando atenção - Eu to falando com você!
-Hã? Ah! Desculpe... Pode falar.
-Vamos pedir pra pai nos levar no clube hoje?
Nossa! De novo? Não agüento mais ir ao clube. Estamos indo todo dia!
Mas como eu não tinha nada pra fazer em casa...
-Claro! Pede lá enquanto eu vou arrumando as coisas.
-Combinado!
Meu pai colocou só o rosto para fora da janela do carro e entrou no clube. Estávamos frequentando aquele lugar tão continuamente que o porteiro nem pede mais a carteirinha de identificação de sócio para o senhor Otávio.
Lá estava exatamente como sempre. O verde predominante em toda parte: várias árvores – como eu gostava -, mesinhas com duas cadeiras cheias de flores e arbustos bem podados – perfeitos para um encontro – em vários cantos da entrada, várias quadras de vôlei, basquete, futebol e peteca espalhados pelo clube, piscinas limpas e grandes estavam rodeadas por vários pares de cadeiras para descanso – ou melhor, para a pessoa “pegar um bronze” – e vários outros locais incitáveis de tão calmos e espaçosos.
O clube era um verdadeiro sonho.
Para quem não o frequenta todo santo dia!
Já chegando à divisa de uma piscina e um restaurante, meu pai alertou novamente a mesma história de sempre:
-Vou assistir ao jogo aqui e vocês podem ir se divertir, mas vamos embora às 18h00min. Não se atrasem! Ah! E não nadem na piscina funda. Se fizerem isso, eu vou saber. Até mais... – acenou e esperou resposta.
Era sempre assim: meu pai ia assistir ao jogo na tevê e eu e meu irmão ficávamos no clube por nós mesmos. Nós adoramos isso. Sentimos-nos mais, sei lá, independentes. É incrível ter a sensação de que você pode tudo sem ninguém te vigiar. Essa era a parte boa do clube.
Paulo e eu já saímos de perto de pai Otávio planejando o que fazer. Estava tudo combinado: pegar a bola de vôlei e jogar um pouco, nadar e jogar bola n’água, lanchar e depois nadar de novo até ir embora.






02





Nunca chegamos ao clube antes das 16h00min, pois é quando o sol está mais quente. Meu pai é supercuidadoso quanto a isso.
O nosso plano estava indo aos conformes até a hora de ir à piscina pela primeira vez. Entramos e após uns 20 minutos estávamos famintos.
Foi aí que eu vi passando dois colegas: Emanuel e Stephania – acompanhados de uma amiga deles que eu só conhecia de vista.
No mesmo momento eu me encolhi na margem da piscina. Paulo já estava irritado, me chamou umas três vezes e eu ali, me escondendo.
Você ta com medo de eles te diminuírem de novo?” Pensei. E estava certa. Mas... Pra quê me esconder deles? Eu tinha uma desculpa: “Não... Só estou poupando-os de mim!” Essa foi a desculpa mais “nada a ver” que um ser humano são conseguiu inventar. Ela é referência de um dos meus anos letivos. Emanuel e Stephania diziam que minha presença é um incômodo na vida social deles... Mas isso foi há tempos! Vai ver nem eles se lembravam disso.
Eles foram para a quadra de vôlei e eu finalmente saí da piscina tentando me explicar o que foi aquilo. Eu podia simplesmente tê-los cumprimentado, mas queria me esconder. Por quê?
-Aleluia, saiu da piscina! – Paulo já estava no pequeno “barzinho” localizado próximo às nossas coisas.
-Eu estava gostando da piscina!
-Rá! Você é mesmo muito estranha. A gente tinha combinado tudo e você gosta da piscina? Nós temos hora pra ir embora, lembra?
-Ah... É! – rimos os dois.
Por mais que eu tentasse, eu procurava me explicar. Eu sempre tento procurar respostas para mim mesma.
Pensei, pensei e consegui. Não era medo. Eu sempre fui – e vejo que ainda sou – tímida. Eu tenho receio de me relacionar com as pessoas e fazer algo errado, que me faça “pagar mico” ou que eu acabe me arrependendo. E há tanta coisa que eu faço que depois eu me arrependa... Tanta que eu perdi a conta. Como isso. Eu devia ter pelo menos dado um oi porque, por incrível que pareça, eu estava com saudade deles...
Mas eu não sou obrigada a cumprimentá-los. Mesmo porque eu estou com uma dívida com eles desde a segunda série. “E eles iriam te cobrar? Num clube? Ah, por favor!” Pensar estava me deixando irritada. “Cale-se pensamento! Nem em meu cérebro eu tenho paz!
Eu e Paulo acabamos de lanchar e depois de pagar voltamos ao Macaco Parte, nome dado devido a um macaquinho que visita a árvore localizada atrás de nossa mesa. Essa idéia foi de Paulo, na época em que ele nomeava tudo. O tobogã, por exemplo, era minhocão. Mas esse nome não deu muito certo, então decidimos excluir os nomes de tudo. A não ser Macaco Parte, e outras raríssimas exceções.
Como sempre, havia um macaquinho na árvore. Eu ofereci um pedacinho de meu salgadinho guardado especialmente a ele e comeu. Logo, eu e Paulo estávamos preparados para dar o nosso salto mortal na piscina.
De mãos dadas nós nos afastamos quatro a cinco passos da piscina e nos posicionamos em forma de “ataque à água”. O pulo foi rápido, apesar de eu ter escorregado na beirada numa poçinha d’água e caído de barriga o que causou uma dorzinha, mas depois passou.
O dia continuou com clima de clube. Até pai chegar e termos de ir embora.


Depois de tomar banho, trocar de roupa, e jantar, peguei meu diário de novo. Dessa vez eu estava mais inspirada, pois de hoje até o primeiro dia de aula, só restam seis dias.

Todo segundo é menos um até reencontrar meus amigos.
Hoje passei mais um dia no clube com meu irmão, mas - não sei por que -, foi diferente.
Eu fico contando as horas para as férias acabar, mas é nelas – e apenas nelas – que tenho

 
03

 continua...






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