Quarta-feira, hora melancólica das cinco e meia,
quando chove. Choveu úmido e frio na tarde antes sufocante de novembro. Ela
caminhava na direção do metrô, os sapatos molhados. Pelo menos o metrô lhe
parecia um progresso no meio dos tempos decadentes. Dava-lhe a sensação de
estar em outro país. A decadência a assustava.
Quando entrou no metrô não havia ninguém. Sentou-se meio afastada da porta, por costume. Sozinha, resolveu abrir a bolsa e pegar um livro para lê-lo e passar o tempo. A Outra Face parecia queimar em suas mãos. Desistiu de ler a história de terror. Guardou o livro e tirou seu mp4 da bolsa para escutar suas músicas - que compôs a um certo alguém.
Embalada pela música, acabou fechando os olhos e se dispersou do metrô por aproximadamente dez minutos.
Não gostava do clima. Preferia o sol, o calor. O frio trazia a ela lembranças obscuras. Como naquela noite em um passeio com os irmãos à sua casa. Estavam os três andando, lado a lado, despreocupadamente rumo ao próximo quarteirão. Uma noite fria e amarga. Em que fios de vento cobriam o rosto e o ar era dificilmente inspirado para dentro dos corpos que pediam desesperados novamente o calor. Principalmente ela.
Seus olhos não queriam mais ver a brutalidade com que perdeu seu irmão naquela noite. Mas ela não conseguia se desprender do pesadelo.
A entrada de um homem no metrô a fez voltar ao mundo real após longos três segundos. Ele aparentava raiva.
Era impressionante a semelhança desse homem com aquele da noite assombrosa da vida de Estela. Eles se pareciam fisicamente.
Quem ele poderia ser? Seria mesmo aquele homem? Um daqueles bandidos que escolhem matar o traidor e acabam matando uma criança inocente numa rua em que não há testemunhas que contem o crime?
Escondendo o rosto nos cachos ruivos, Estela desejava desaparecer. Começou a imaginar qual era o plano daquele homem que, nesse momento, fitava-a com intensidade. Em sua cabeça os gritos desumanos explodiam “Eu vou voltar! E vou acabar com todos os que estiverem com ele!”
Estela aumentou o som do fone a uma altura ensurdecedora, o que a incomodou, pois não gostava de música alta. E ainda se sentia observada.
O homem, cuja roupa era mesmo suspeita, abriu o casaco e mexeu num bolso. O rosto do homem era de raiva, tristeza e mistério o que aumentava a vontade da moça de fugir dali. No lado esquerdo do rosto, uma cicatriz que partia a bochecha ao meio e marcava do queixo, até o canto do olho, os cachos ruivos pareciam poucos para que Estela escondesse daquele homem de aparência deformada.
Ela deu uma espiada no que o homem paralelo a ela estava fazendo e que ainda não havia tirado a mão do bolso. Ele estava à procura agonizante de algo perdido no casaco.
“É ele... agora eu tenho certeza. É ele! E vai me matar!” pensou com lágrimas se formando no canto de um dos olhos e ela decidira parar na próxima estação, mesmo que esteja muito longe de seu destino.
O metrô parara. Ninguém entrou. E os pés de Estela traíram-na. Ninguém saiu.
Finalmente, o sujeito tirou a mão do bolso, mas não pegara nada. Ficou parado um instante, levantou-se e sentou-se do lado da moça cuja pele branca rapidamente empalideceu.
Incomodada com a presença do homem ao seu lado fitando-a, Estela tirou o fone e desligou seu mp4 (suas mãos estavam desesperadamente trêmulas) e olhou assustada, com respiração ofegante para o homem que a olhava.
- Pelo visto, você se lembra de mim...
Sua certeza era certa. Ele era aquele homem...
- Fiquei sabendo do seu irmão... Não era ele... Era um traficante que tava devendo muito pra nós. Sabe... Errar é humano.
Não só medo, mas uma raiva – pra ser sincero, ódio – crescera dentro de Estela com tal força que ela cerrou os punhos. Queria acertá-lo. Já tentara fazer isso a um colega de escola há tempos – e conseguira. Porém o medo a mantinha em segurança.
- E pelo visto, não contou a ninguém sobre meu pequeno errinho daquela noite, não é? Tipo... Não para a polícia, contou?
Esperou.
- Responda! – ele gritou.
- N-nem s-sei quem é, c-como vou contar a alguém?
Dois segundos separaram a resposta, do movimento a seguir do homem. Ele estendeu a mão procurando ver mais o rosto de Estela. Colocou algumas mechas atrás da orelha da moça e ficou brincando com um cachinho.
“Que petulância! Não posso nem morrer de cabelos limpos!” pensou isso e uma estranha coragem estava crescendo em Estela.
O homem recuou a mão e sentou-se de forma com que seus cotovelos se apoiassem nos joelhos e suas mãos escondessem o rosto. Estela ficou observando-o.
Passados silenciosos e cortantes cinco segundos, o homem disse:
- Fiquei sabendo do sobrenome do cara e resolvi procurar um de vocês daquela noite. Há três dias to te seguindo e só agora consegui a oportunidade de falar... Eu nunca errei assim. Todos os trabalhos que me mandaram executar algo, ou alguém, eu realizei com precisão. Eu não sou de errar e rir da cara entende? – ele dizia e reclamava com si mesmo pelo erro – Não devia ter errado. Não devia... Eu não sou um ser tão sem alma quanto todos pensam que são os assassinos. –Estela estremeceu com a palavra – Eu na verdade, só quero o dinheiro. – ele suspirou. E resolveu confessar – Eu tenho uma filha com câncer. Há tempos ela tava no hospital, e tem de ser particular é onde ela tem o tratamento adequado.
Ele esperou que Estela digerisse tudo aquilo com calma. E que entendesse. E que o perdoasse...
- Será que consegue me perdoar? Eu sei que é difícil. Se não quiser, não precisa dizer sim.
Estela não conseguiu disfarçar os olhos arregalados de pura perplexidade. Esperava a morte e recebeu apenas uma pergunta. Podia se livrar dela de qualquer jeito. Mas com certeza, um assassino que mostrou seu rosto não ia deixar uma testemunha assim, “de graça”. Então a resposta não importava.
Mas a moça não conseguia dizer nada. Abriu a boca pra falar alguma coisa, mas desistiu. Em algum momento aquele homem realmente pareceu sincero. Mas ela não sabia quando.
- Minha filha... Ela... Faleceu ontem...
Estela com dó – mas o medo ainda estava lá – percebeu que era ali que havia a sinceridade. O metrô parara. Ali era a sua estação. Ela olhou ao redor e se não descesse, ficaria atrasada para o trabalho.
- Tudo bem pode ir... Ah, e outra coisa: não precisa acionar a polícia pra mim... Eu já fiz isso...
Silenciosa, confusa e desconfiada, a moça pegou sua bolsa e saiu.
Antes de se virar e dirigir-se ao trabalho, ela ficou parada de frente ao metrô. Atrás dela, policiais chegaram e invadiram o metrô. Estela ficou observando o que eles faziam. Se isso fosse um filme, estaria passando em câmera lenta. Tiraram o homem de lá. Seu nome é Seivuler. Um nome estranho. Um homem estranho. E um dia mais estranho ainda.
Quando entrou no metrô não havia ninguém. Sentou-se meio afastada da porta, por costume. Sozinha, resolveu abrir a bolsa e pegar um livro para lê-lo e passar o tempo. A Outra Face parecia queimar em suas mãos. Desistiu de ler a história de terror. Guardou o livro e tirou seu mp4 da bolsa para escutar suas músicas - que compôs a um certo alguém.
Embalada pela música, acabou fechando os olhos e se dispersou do metrô por aproximadamente dez minutos.
Não gostava do clima. Preferia o sol, o calor. O frio trazia a ela lembranças obscuras. Como naquela noite em um passeio com os irmãos à sua casa. Estavam os três andando, lado a lado, despreocupadamente rumo ao próximo quarteirão. Uma noite fria e amarga. Em que fios de vento cobriam o rosto e o ar era dificilmente inspirado para dentro dos corpos que pediam desesperados novamente o calor. Principalmente ela.
Seus olhos não queriam mais ver a brutalidade com que perdeu seu irmão naquela noite. Mas ela não conseguia se desprender do pesadelo.
A entrada de um homem no metrô a fez voltar ao mundo real após longos três segundos. Ele aparentava raiva.
Era impressionante a semelhança desse homem com aquele da noite assombrosa da vida de Estela. Eles se pareciam fisicamente.
Quem ele poderia ser? Seria mesmo aquele homem? Um daqueles bandidos que escolhem matar o traidor e acabam matando uma criança inocente numa rua em que não há testemunhas que contem o crime?
Escondendo o rosto nos cachos ruivos, Estela desejava desaparecer. Começou a imaginar qual era o plano daquele homem que, nesse momento, fitava-a com intensidade. Em sua cabeça os gritos desumanos explodiam “Eu vou voltar! E vou acabar com todos os que estiverem com ele!”
Estela aumentou o som do fone a uma altura ensurdecedora, o que a incomodou, pois não gostava de música alta. E ainda se sentia observada.
O homem, cuja roupa era mesmo suspeita, abriu o casaco e mexeu num bolso. O rosto do homem era de raiva, tristeza e mistério o que aumentava a vontade da moça de fugir dali. No lado esquerdo do rosto, uma cicatriz que partia a bochecha ao meio e marcava do queixo, até o canto do olho, os cachos ruivos pareciam poucos para que Estela escondesse daquele homem de aparência deformada.
Ela deu uma espiada no que o homem paralelo a ela estava fazendo e que ainda não havia tirado a mão do bolso. Ele estava à procura agonizante de algo perdido no casaco.
“É ele... agora eu tenho certeza. É ele! E vai me matar!” pensou com lágrimas se formando no canto de um dos olhos e ela decidira parar na próxima estação, mesmo que esteja muito longe de seu destino.
O metrô parara. Ninguém entrou. E os pés de Estela traíram-na. Ninguém saiu.
Finalmente, o sujeito tirou a mão do bolso, mas não pegara nada. Ficou parado um instante, levantou-se e sentou-se do lado da moça cuja pele branca rapidamente empalideceu.
Incomodada com a presença do homem ao seu lado fitando-a, Estela tirou o fone e desligou seu mp4 (suas mãos estavam desesperadamente trêmulas) e olhou assustada, com respiração ofegante para o homem que a olhava.
- Pelo visto, você se lembra de mim...
Sua certeza era certa. Ele era aquele homem...
- Fiquei sabendo do seu irmão... Não era ele... Era um traficante que tava devendo muito pra nós. Sabe... Errar é humano.
Não só medo, mas uma raiva – pra ser sincero, ódio – crescera dentro de Estela com tal força que ela cerrou os punhos. Queria acertá-lo. Já tentara fazer isso a um colega de escola há tempos – e conseguira. Porém o medo a mantinha em segurança.
- E pelo visto, não contou a ninguém sobre meu pequeno errinho daquela noite, não é? Tipo... Não para a polícia, contou?
Esperou.
- Responda! – ele gritou.
- N-nem s-sei quem é, c-como vou contar a alguém?
Dois segundos separaram a resposta, do movimento a seguir do homem. Ele estendeu a mão procurando ver mais o rosto de Estela. Colocou algumas mechas atrás da orelha da moça e ficou brincando com um cachinho.
“Que petulância! Não posso nem morrer de cabelos limpos!” pensou isso e uma estranha coragem estava crescendo em Estela.
O homem recuou a mão e sentou-se de forma com que seus cotovelos se apoiassem nos joelhos e suas mãos escondessem o rosto. Estela ficou observando-o.
Passados silenciosos e cortantes cinco segundos, o homem disse:
- Fiquei sabendo do sobrenome do cara e resolvi procurar um de vocês daquela noite. Há três dias to te seguindo e só agora consegui a oportunidade de falar... Eu nunca errei assim. Todos os trabalhos que me mandaram executar algo, ou alguém, eu realizei com precisão. Eu não sou de errar e rir da cara entende? – ele dizia e reclamava com si mesmo pelo erro – Não devia ter errado. Não devia... Eu não sou um ser tão sem alma quanto todos pensam que são os assassinos. –Estela estremeceu com a palavra – Eu na verdade, só quero o dinheiro. – ele suspirou. E resolveu confessar – Eu tenho uma filha com câncer. Há tempos ela tava no hospital, e tem de ser particular é onde ela tem o tratamento adequado.
Ele esperou que Estela digerisse tudo aquilo com calma. E que entendesse. E que o perdoasse...
- Será que consegue me perdoar? Eu sei que é difícil. Se não quiser, não precisa dizer sim.
Estela não conseguiu disfarçar os olhos arregalados de pura perplexidade. Esperava a morte e recebeu apenas uma pergunta. Podia se livrar dela de qualquer jeito. Mas com certeza, um assassino que mostrou seu rosto não ia deixar uma testemunha assim, “de graça”. Então a resposta não importava.
Mas a moça não conseguia dizer nada. Abriu a boca pra falar alguma coisa, mas desistiu. Em algum momento aquele homem realmente pareceu sincero. Mas ela não sabia quando.
- Minha filha... Ela... Faleceu ontem...
Estela com dó – mas o medo ainda estava lá – percebeu que era ali que havia a sinceridade. O metrô parara. Ali era a sua estação. Ela olhou ao redor e se não descesse, ficaria atrasada para o trabalho.
- Tudo bem pode ir... Ah, e outra coisa: não precisa acionar a polícia pra mim... Eu já fiz isso...
Silenciosa, confusa e desconfiada, a moça pegou sua bolsa e saiu.
Antes de se virar e dirigir-se ao trabalho, ela ficou parada de frente ao metrô. Atrás dela, policiais chegaram e invadiram o metrô. Estela ficou observando o que eles faziam. Se isso fosse um filme, estaria passando em câmera lenta. Tiraram o homem de lá. Seu nome é Seivuler. Um nome estranho. Um homem estranho. E um dia mais estranho ainda.
Isabella
Revert
Isabella Revert
Bebelzinha,
ResponderExcluirVocê tem a "veia da escrita". Não pare nunca, minha querida!
bjo.
CREDOOOO!
ResponderExcluirbirulei vc vai ser escritora
Caraca, fiquei impressionada, continue escrevendo é lindo quando a pessoa tem um dom tão precioso, amei, tá anônimo mas foi eu Miriam Oliveira.
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